.desengane-se quem acha que acabou de entrar num blog.

Monday, July 7, 2014



I – Blue Raincoat de intermitências a sós


Thelonious Monk como banda sonora daquele mês o tal onde se refez a história dos idos e tidos em tendenciosas contradições maledicentes de coração ao largo. Dias seguidos a noites de rituais em rotinas esquecidas de olvidares da demora ausente de cadências ténues amores contidos automatismos de abre fecha metros apinhados carruagens de faces sem expressão sorrisos metafóricos congéneres a desfalecerem cansaços. 
Foram dias um mês meses seguidos a contrapasso contrapondo passos hesitantes como se flutuassem alvíssaras perdidas na cadência do bater dos segundos em tic tacs estrondosos ecoam. 

A cada telefonema a expectativa
espera vou no fim de semana sim 
espera afinal não vou pediram-me para ficar mais esta semana. 
Estás bem? 
Vou na sexta sim a próxima ter contigo ao Porto na estação às sete talvez fique de vez tenho saudades tuas queres que fique? Estive a ver casas no Porto para alugar sim vou fico se quiseres. A Pilar? Tenho de ver escolas já ando a ver é uma questão de me organizar sim ela habitua-se ficamos os três íamos ao fim de semana lá acima não eu quero vou ter de ir temos de deixar de falar a estas horas sabes bem que acordo cedo acordo daqui a duas horas não durmo estou cansado 
amo…
não posso continuar assim sim estas horas esses teus horários
saudades tuas
estou cansado até amanha
mas onde estás agora?
porquê?
faz-me falta saber alguma referência de ti como se isso me bastasse minimizasse esta distância insuportável dos dias.
não conheces. Adeus. Gosti.

e o silêncio.

II – O espelho reflecte o vermelho da carne a arder contendas

A multidão e a intimidade partilhada sem contenção amizades cúmplices de outros tempos de conversas sem fio à meada sem rumo ou senso bom-senso e gargalhadas roucas a abafar sentidos. 
A ementa era tudo o de menos o que menos nos importava achei eu tu que renegas mil e um pormenores ervilhas favas queijo orégãos marisco truta e prazeres de mesa em vinho tinto de eleição escolhido pelo César teu amigo e confidente de passados e infâncias partilhadas cumplicidades erguidas num brinde à meia-luz. 
Oito eram os pés ao espelho reflectido como figura de estilo a duplicar momentos a quatro acho que eramos quatro ou seriamos três mais um ou talvez dois mais um e um. tu e ele. eu. ela. nunca gostei de contar pelos dedos, sabes, como na escola primaria lembra-me as reguadas que não levei não eu que era a melhor das melhores não enobrecendo aqui a causa de ter tropeçado em ti, tu tao envolvente tão sedutor tão tão ludibriante na censura e na queima dos sentidos. 

Ontem falei com o César a lembrar o nome daquele bar de jazz que fomos os dois mais um e um depois do espaço feito restaurante de almofadas vermelho escarlate e mesas de pé curto negro abrilhantado fosco meio tosco a rodear espaços rodeados de espelhos a fazer lembrar soirées de formosas danças de boîtes rascas mas versão eloquente de jazz afinado e selecto.

Telefonaste-me antes de adormecer como sempre desde sempre coisas protocolares tuas e eu a achar que era amor amores ou juras de amores ditos sentidos eu que deixei de acreditar na fada madrinha e no pai natal desde os sete anos de idade quando aquele que se diz - protocolos que a sociedade nomeia - aquele cujo nome não ouso enunciar se foi foi-se ido reprimido na sua vidinha de pequenos nadas. eu que deixei de acreditar no amor amei-te e ainda assim desconfio que causas maiores existiram essas tretas que nos enfiam na cabeça desde putos ah e tal o amor e sonhos cor de rosa anjos bonitinhos de setas apontadas aos corações desprevenidos 

que maldade caramba 

devia ser punido punível putável no imputável 
essa história das histórias de encantar.

Mas encantei-me que queres que te diga nada e nada é culpa do principezinho e dos cuidados à rosa que cativou e dos teus carinhos que eu consumia como água corpos desidratados a pedirem gotas uma só que fosse como mortes que nos vão talhando em peças desfalecem a não sentir a dor

já não sentes sentiste alguma vez?

relativização da dor amor loucuras de dormências e carências de suores de corpos enlaçados.

“Amanhã vamos ao escarlate de negro tosco em jazz de espelhos a reflectirem ilusões. De madrugada parto. Amo-te. Francisco.”

E fomos eu ele mais ele e ela oito pés cruzados em vidas desconexas. e foi foi-se. outra vez. fiquei.

III – As bombas que explodem sem gatilho

Havia dias poucos dias em que por amor acabei reneguei-o e magoei-o por causa dos se e dos mas e dos não resultará como se de fórmulas químicas ou testes laboratoriais se tratasse mania de querer estar sempre à frente da vida e ela a corrervírgulade língua de fora esfalfada aos tombos e solavancos raramente muito raramente ao nosso lado. não era suposto ser companheira companhia de dias partilhados a dois ou três. 
a sombra conta?

Duvidei dele de nós e desliguei desliguei-nos a caixa cheia de emails chamadas e declarações das mais belas que já vi e que tantas mulheres algum dia gostariam de ter recebido - reconheço - vídeos incluídos fotos de vidas comuns que se cruzaram e bandas sonoras de fazer chorar pedras da calçada. e as lágrimas a teimarem marcar presença mas a convicção por vezes é mais forte do que o sentimento ou o sentimento é tao forte que acabamos por desejar mais a felicidade do outro à nossa. e foi assim neste estado que tu e eu nos cruzámos depois do meu ex passaste a estar presente primeiro solenemente de pezinhos de lã palavras doces meigas e dissimulações de ternura partilhada uma voz do lado de lá sempre à mesma hora no mesmo local sempre disponível atenta alerta sedenta. e de que falávamos? temas banais mundanos do teu dia do meu mais do teu que do meu que eu nunca fui de grandes conversas sobre a minha vida sabes disso apesar de negares agora mas eras tu que contavas os segundos e minutos e passeios e passos dados durante o teu dia

acordei às tantas levei a Pilar à escola passei no fulano sicrano o César veio tomar o pequeno almoço comigo depois fomos ao mercado e a seguir ao centro comprei umas botas tão giras para a miúda havias de ver a carinha dela quando as viu já não as largou e a vizinha que foi tocar à campainha para provar o molho da massa… ou não, espera terá sido para te pedir açúcar ou oferecer uma fatia de bolo tão querida que era a velhinha que não era velhinha nenhuma como aquelas a que te referias com ternura e pendor que chamavam a moças como eu de menina e achavas isso de valor. 

Eras tão mas tão exemplar caramba! 

 Mas a velhinha não era velhinha só na alma talvez e continuavas limpei a casa toda e lavei a roupa e agora estou a fazer o jantar e agora a lavar a loiça. 

Caramba que homem exemplar que eras. 

 E em simultâneo falavas comigo ao telefone e eu a ouvir os tachos e os armários e a Pilar que teimava com o tapete (ainda me questiono se Pilar seria a gata) e vai lavar as mãos querida vamos jantar já te ligo ela agora tem esta fixação com as coisas estarem direitas e ao jeito dela não nos ouve vai lavar as mãos querida. 
Como estás já jantaste falamos mais logo sim preciso de te ouvir preciso de ti sim falamos mas não te telefono mais hoje estamos há duas horas a falar sim duas horas estou a ficar sem saldo telefona-me espera mando mensagem até logo bebe café por mim traz-me uma nata sim para comermos os dois aninhados no sofá sim gosti.

Para a semana vou passar umas músicas a um bar, queres vir?
Queres que vá olha que vou.
Vem.

Essa semana foi assim pré-núpcias como aquelas culturas em que prometem a noiva a um homem que não conhece e os dias que se lhe antecedem são assim uma miscelânea de sentimentos mixados e tumultuosos dúbias tentações e medos à mistura. tensões à parte tínhamos um intermediário vá um cúmplice sempre pronto a honrar o amigo e apaziguar atritos desnecessários. devias agradecer-lhe por isso açucarou protegeu tanto a tua imagem e suportou a construção da confiança de ti em mim agradece-lhe vá não temas não sejas arrogante e atroz como nos tempos de nós vá mostra lá por uma vez que seja o lobo no cordeiro de ti sorri a mostrar os dentes que ferram e rasgam as entranhas tenras dos petizes distraídos. 
obrigada César remato eu.

Não sei se conte já agora aqui neste preciso momento o encontro de dois seres que assim visto de longe ao longe como quem é míope se conheciam de anos metades de laranja e tampas de panela e paneleirices do género. conto mas com um ponto e vírgula sim leste bem ponto e vírgula vá reticências só para criar aquele suspense da treta que se quer vá farei isso afinal saberás tudo.

Um dia antes e o temor contido a juntar ao impulso de estar tocar sentir a pele na pele o toque sem toque olhares que queimam e permanecem em nós pela eternidade. a voz à tarde e pouco mais. adiei o prazer às vezes gosto disso de adiar prazeres intensificar momentos adiar adiar para sentir mais e mais atordoar torpedos a explodirem cá dentro em explosões de sortes lançadas lá fora. 

A noite caiu a noite apaziguadora de mentes demente como casulo de algodão refinado a conter movimentos e o comboio seguia feroz na cadência do pulsar do coração respirações contidas minutos em contagem decrescente…como a vida. placas a indicarem saída como se as saídas não fossem chegadas ou entradas entrei num espaço só meu e teu nosso de contendas e suspiros a sorrir timidamente de surpresa de êxtase e ilusão ilusão pura sonhos estaria a dormir? dormias? dormíamos? encontrámo-nos no mesmo sonho? ou será que é isto a que se chama de universo paralelo, existimos ai e aqui ou aqui e não ali ou será ao contrário. existimos mas será que esse dia existiu existes para mim em mim existo em ti
liga-me.

IV – Altares erguidos a derrubar rumores

Agarrei nas malas e virei costas ao destino ou o destino seria esse de voltar regressar a tempo de… a tempo apenas isso de recuperar a sanidade mental e a vida que desperdicei em ti em imagens e sonhos contados a duas vozes de vidas a três com a tua filha aqui e ali juntos para sempre como nas histórias de faca e alguidar que desdenho desdenhei de outras andanças. rumei a casa. estivemos não sei bem quanto tempo foram meses a parecer anos e nem um ano foi ou terá sido a contar com os preliminares e discussões de términos e altares erguidos para derrubar rumores e arestas a ferir a pele de trocas idas e ausências a ter-te a meu lado a ti e a ela e tu sempre tu e o teu trabalho e a tua vida e a vitimização permanente dos outros os da tua vida os teus família amigos amor amores sim amores no plural foram encarcerados nas esquinas a sussurrar mentiras feitas verdades tombadas e prontas a derrubarem milenares estátuas quimeras de sal e gelo a derreter em pleno Verão de Invernos rigorosos que gemiam no meu peito gritos abafados de choros convulsos. 

Tu e tu e a tua vida e tu mais uma vez tu e o adiar das promessas vãs e juras de amor eterno efémero e futuros a dois. 

Agarrei nas malas e voltei depois de trocarmos suaves palavras de ternuras e perdões cravados na garganta silenciados tanto por dizer que te disse e disseste que ficou tanto de ti e tanto de mim ficou por aí suspenso no ar segundos de vida atraiçoados que não se recuperam momentos enclausurados no tempo.

Virei-te as costas e pela primeira vez em tantos meses voltei a respirar
e a viver aprender a viver de novo como quem gatinha primeiro e tenta levantar-se dar os primeiros passos cai não chora 
chorar não é permitido 

aguenta levanta dá um passo ergue o corpo trémulo e segue pé ante pé passo a passo cautelosamente na coragem de amanhã ser um novo dia e a seguir outro e outro e é assim assim é tu sabes caminhando faz-se o caminho ou o caminho faz-se a caminhar ou a amar de novo reaprender a
ser sermos nós um sem o outro eu e eu outra vez.

Encostei-me à janela a tarde tinha aquele tom nefasto e cinzento dos meios tons e das meias coisas indefinido o ar semi aquecido abafado em tentativas de refrescar calores de meia estação tudo era meio permeio mediano e a respiração fraca superficial animosidades da falta. árvores em flor recordavam-me que a vida existia sim eu existia também e era bela. a vida. 

Deixei as portadas de par em par as cortinas em danças de slows enamorados e o sol a cair no horizonte. sentei-me no chão tentei reencontrar o meu corpo perdido no meio do vazio da casa já desabitada sem humanismo odores a relembrar caricias cansaço demasiado cansaço num só corpo estertor insane de fugas gritei do fundo da alma gemi em surdina um pardal pousou no parapeito acordei. damage is done damage is done Sylvian em eco damage is done eco ecos repeats a encher a sala de bruma adocicada a intoxicar sentidos. fiz um chá. camomila dizem que acalma não acredito nessas crenças descrenças de antigamente mas se dizem está dito e tomo como automatismo apenas porque gosto do trago póstumo e do calor a percorrer o corpo embriónico. 

V – What a mess i leave run run


Não sei bem quantos dias se passaram semanas talvez duas três talvez os dias iguais às noites e as noites dessincronizadas em jetlags sincronizados a dançar a polka de pijama e cabelo desgrenhado alternado com breves saídas apenas para comprar tabaco café pão olá bom dia em tardes amenas de pessoas sorridentes com crianças pela mão e boas tardes em manhãs de perder o rumo e bater com slogans de we are closed esperar a abertura das portas beber café como se de um sonho mero sonho se tratasse a realidade suspensa o irreal as horas sem sentido e palavras ditas por dizer em nome da boa educação.

Voltou? que bom. há muito tempo que não a via. está bem? quer o habitual? ainda bebe café duplo e torrada aparada? até amanhã. obrigado. três maços de chesterfield se faz favor. quanto é? gosto em vê-la. até logo adeusinho.
Adeusinho inho de pequenino ou de simpatia? cafezinho tabaquinho viciozinho obrigadinho. ora merda para tudo isso. adeus adeus. sorrisinhos amarelinhos. adeus adeus. e a vida é isto uma sucessão de olás e adeus é isto.

Voltava a casa pelo caminho de sempre os meus passos calcados no passeio a saberem de cor o rumo fosse tudo assim saber o rumo assim automatizado o rumo ao lar ao conforto ao imutável da vida quando tudo muda nada muda nós mudamos mudei o pijama mudou foi mudando em peças soltas também elas dessincronizadas como a minha mente. ligar a cafeteira abrir novo maço acender um cigarro ligar a aparelhagem escolher Tindersticks Madrugada ou Sylvian intercalado com Daughter em dias de aparente recover da recaída ou tardes de recaídas a sair do estertor. you better run run run dizia ela novamente o eco e o eco e o repeat
Que queres tu dizer correr para onde correr correr corri estou aqui para onde vou não sei não tenho onde ir fico vou ficar tiro mais um café sento-me no sofá virado para a janela olhar fixo nas flores brancas da árvore da frente fosse tudo tão simples assim como a natureza assim aparentemente em paz de si para si como aquelas belas sonatas perfeitas de Mozart ou Bethoveen que tantas vezes me agitavam no compasso descompassado do meu peito daquele órgão no meu peito que desconfio que ainda lá está a morrer no negrume dos dias iguais a noites silenciosas abafadas no nevoeiro dos cigarros fumados um atrás do outro e pílulas da felicidade prescritas pelos senhores doutores em conselhos de para quando se sentir tensa ou ansiosa ou agitada ou... assim sendo seguia atenciosamente as indicações como a menina bem comportada que sempre fui e tomava um e outro e talvez mais outro e perdia a conta.

Uma manhã ou tarde não sei bem já não sei mas sai por necessidade era a única alternativa forma de sair necessidades básicas semi-básicas anti-básicas - tabaco café pão - nesse dia um chocolate também e sentia-me particularmente densa a sentir demasiado a sentir incomensuravelmente insuportavelmente o peso de mim sem peso olheiras em riste a cumprimentarem caras conhecidas de vista de sempre dos mesmos sítios de sempre a estrada carros não vi pensei em ti e nela e em ti e nela e no que não dissemos e no voltar as costas a imagem da minha vida a prostituta da imagem que me acompanha como sombra tantas vezes demasiadas vezes o adeus e contigo outra vez a sombra a seguir-me acompanhar os meus passos os olhares de soslaio ao espelho e no reflexo da cafeteira a aquecer a água do café. 

Sabes nunca fui boa em despedidas detesto despedidas nunca te disse ou disse? 

O adeus e as costas voltadas o olhar que se cruza pela última vez o beijo o abraço e o virar as costas ver o outro a seguir caminho de costas para nós para longe de nós ir ir e ficamos vamos ficando um pouco mais cada vez mais e de cada vez morremos um pouco mais. 

O carro preto polido num buzinão desconcertante e um salto para a frente como uma gazela assustada corri por pouco por pouco ia-me apanhando virei a cara já no passeio a repreensão visível a olho nú e uma camisa branca num corpo moreno cabelo já meio grisalho - lá está o meio como outra marca desta minha vida será que existem meios adeus ou o nosso adeus foi meio cortado ao meio cortei corri - visão da semana e salvação do eu. 

Ao espelho ousei olhar-me longamente languidamente com cigarro sem cigarro acende outro acendi prometi voltar a lutar por mim viver largar os dias de pijama e degredo a vida a passar a catarse do nada. um chá um telefonema um email um café dois comprimidos da felicidade deitei-me.

“Voltei a casa, à mesma de sempre, a das cortinas creme esvoaçantes e odor a jasmim. Amanhã pelas 16h vou estar no tal café – o nosso - dos bancos que giram e rangem, onde partilhámos gargalhadas insólitas de tardes de Verão e caipirinhas de perder a cabeça. Espero-te. Um beijo. Diana.”

What a mess i leave to follow through disse ela às quarto da manhã em sintonia de velas acesas e sons abafados pelas teclas ásperas do portátil antigo i sometimes wish i've stayed inside my mother never to come out.

VI – Nos teus braços o amanhecer de mar


Lembras-te lembras-te pois das nossas caminhadas como desculpa para estarmos juntos e que se tornaram hábito todas as noites ao final da noite já madrugada fora como se a manhã não estivesse à nossa espera ou a cama e o sono tantas vezes adiado esquecimentos perdas intencionais de memória espácio-temporais de nós juntos em que tudo o de mais estava literalmente a mais deixava de existir ou melhor reconheço que isso é mentira grande epifania dizer tal o que deixava de existir não era o espaço não eram os outros não era o que nos rodeava eram as horas os minutos os segundos de quando nos perdíamos no nosso olhar que se via reflectido um dentro do outro em iluminações de luares quando a praia já tinha fraca luz ou a Câmara Municipal ou a Junta ou o que seja decidia poupar na conta mensal e apagava candeeiro sim candeeiro não ou por vezes ruas inteiras completamente às escuras e nós seguíamos o nosso caminho agarrados um ao outro como um só acordávamos os pássaros e a monotonia das rotinas quezilentas dos que dormiam e dos cães solitários a vaguear no clamor da noite riamos como duas crianças no recreio como se nada fosse proibido desde que estivéssemos juntos tudo era alegria tudo era motivo para rir tudo era motivo para nos abraçarmos tudo em nós era paleta de cores das mais variadas e possíveis nuances. 

E contigo sentia que o mundo era mais pequeno e eu tão grande nos teus braços que não havia medo algum que quebrasse o encantamento a segurança o conforto nos teus braços abraços e o meu corpo que se moldava ao teu ou o teu ao meu sincronias de carne e entendimentos supremos.
Lembro-me ainda hoje - será que te lembras? - naquela noite em que eu não me sentia particularmente bem e tu insististe no nosso passeio nocturno à beira mar fomos.

 Contigo o mundo era maior e eu tão pequena nos teus braços era rainha. 

A lua estava cheia como aquelas noites de luz azul encantos vários noites magicas de sonhos de olhos abertos. sentámo-nos virados para as ondas do mar agitado a espuma branca a enrolar palavras e o rufar das ondas como música de fundo a embalar emoções. enrosquei-me em ti no teu colo que ainda hoje tenho saudades o calor do teu corpo o teu toque a tranquilidade nos teus braços abraços o mundo parecia bem mais pequeno e os problemas medos deixavam de existir e tudo parava parava e não havia tempo nem horas a correr atrás de nós a fazer-nos lembrar que já eram horas de ir embora e horas de ficar e horas disto e daquilo como se andássemos com um cronómetro no peito. contaste me uma história daquelas que se contam às crianças e sem nada combinarmos interpretámos os nossos papéis fictícios e eu la te ia perguntando em jeito de gente pequena a achar-se crescida

E como se chamam eles, os porquinhos?
E tu lá dizias três nomes inventados à pressão. e o lobo veio e assoprou e bla bla bla.
Espera… e o lobo era mau?
Não!
Mas ele queria fazer mal aos porquinhos…
Não, ele queria brincar com eles e como não tinha amigos…
Ahhhh, coitadinho. Mas então e porque é que não tinha amigos?
Porque todos tinham medo dele.
Como se chama o lobo?
Francislau.

E riamos. riamos e tu lá ias tentando continuar a história estavas a levar o teu papel muito a peito e eu também devo dizer que estava a tentar. lá chegaste ao fim da história depois de muitas gargalhadas e interrupções pelo meio. depois? depois ficámos abraçados a olhar o mar em silêncio. 

Fomos comprar um gelado à bomba de serviço ali da zona. por trás da vitrine um homem já na faixa dos cinquentas e muitos mal encarado provavelmente por o irmos incomodar e ainda mais por o irmos incomodar para comprar um gelado às tantas da madrugada. ao fim de algumas trocas de palavras acerca dos gelados que eventualmente o senhor tinha e que não era nenhum que eu queria lá amoleceu a rudeza e abriu as portas de vidro – será que são à prova de bala? e porque confiou ele na menina (eu) quando até poderia ser assim uma espécie de cilada como se vê nos filmes assaltos emboscadas e tal – e levou-me até à arca dos gelados. escolhi. corneto para mim morango epá para ti daqueles com pastilha colorida no fundo daquelas que se desmancha toda e perde o sabor ao fim de poucos segundos.
Voltámos à praia deserta finais de Setembro descalçámo-nos e calcámos os nossos passos na areia andámos como se a manhã e a cama e o sono e o dia de trabalho não estivessem à distância de umas horas. passámos a conhecer cada qual e todos e um a um os pescadores que pernoitavam por ali a ver se apanhavam raia miúda. e para eles já erámos família - há uma curiosa cultura nesta tradição da pesca um dia conto-vos talvez - havia o que se fazia acompanhar da esposa os dois sempre muito bem agasalhados ela sentada num banquinho de madeira com uma lâmpada na testa assim a fazer lembrar os ETs dos filmes mas a fazer crochet – não sei se os ETs sabem fazer isso ou se gostariam até de se entreter a fazer camisolinhas ou sapatinhos de lã para o netinho que virá quiçá a caminho - e ele umas vezes de pé junto às canas a ver se o estremecer de alguma significava ter apanhado sereia ou filhotes de sereia. outras também ele sentado umas vezes com uma garrafinha do lado – provavelmente para aquecer esquecer as horas – ou a fazer palavras cruzadas ou provavelmente sopa de letras também ele vestido de ET versão meia-idade modelo casual fit.

Nestas noites as nossas não havia banda sonora que fosse necessária a acompanhar os nossos passos mas se tivesse que escolher assim como cena de filme trailer ou outro nome técnico que os experts da matéria dizem escolheria Madrugada – Quite Emocional ou talvez não pela melancolia demasiada contida na voz do Sivert apesar de tu dizeres postumamente que nem toda a melancolia tem conotação negativa. não tem. mas tem o sentimento de catarse associado. quite emocional now num mashup com i feel it all dos Feist. sim gosto disso está escolhido.

VII – Estou sem bateria sem saldo sem telefone sem ti e sem desculpas talvez


Depois da fase núpcias a que chamo a esses tempos em que o tempo dentro de nós não contava como os ponteiros do relógio foste-te embora. ligaram-te disseste. daí a dois dias tinhas que estar no aeroporto rumo não sei onde não disseste mas nesses dois dias tinhas coisas a preparar coisas sabes para a viagem preparativos vários dos quais não fiz parte não deixaste ligavas apenas e fizeste-me crer que a separação para ti era dolorosa mas era em nome de algo maior e importante para ti a tua vida tu a tua vida tu o nós passou para segundo plano mas também sabias que eu não te iria pedir para ficares tu sabias disso sabias que jamais te poderia pedir para abdicares de algo que sentia ser importante para ti e depois dizias que era coisa temporária que nos veríamos de vez em quando quando cá viesses ou que eu até poderia ir ter contigo – mas como se nem me dizias os sítios que pisavas e por onde passavas? mas espera minto passaste por Amesterdan e compraste um maço de cigarros cor de rosa para me oferecer – juraste tu como quem mais jura mais mente.

No último dia já noite madrugada dentro liguei-te o voicemail atendeu-me sempre detestei falar para um atendedor automático por mais bem educado que fosse mas a ausência de feedback do lado de lá enquanto falamos é terrível e a verdade é que apenas queria ouvir a tua voz uma última vez antes de ires embora para que também eu pudesse ir dormir descansada e sonhar que estava nos teus braços. apesar de estar indignada por nada dizeres nem por telefonema nem mensagem por poucas palavras que fossem voltei a ligar a tua atitude era atípica para mim como quem diz nova mas apenas significava o inicio de tudo o que se seguiria: o desprezo o teu desprezo que eu ainda não conhecia de perto. desta vez já tinhas o telefone desligado liguei para o outro número primeiro chamou depois desligado também. esta história das novas tecnologias têm muito que se lhe diga as baterias estão sempre a falhar e a rede a cair e os saldos são consumidos por obra e graça do espirito santo tanto mas tanto que quando tanto mas tanto queremos falar com alguém ou temos algo importante a dizer eles - os telemóveis entenda-se – falham-nos sempre mas sempre malditas tecnologias a alimentar expectativas vãs optei por deixar mensagem:

“Apenas queria ouvir a tua voz. Dar-te um beijo. Boa viagem.”

Fui-me deitar mas escusado será dizer que apesar de os olhos estarem fechados não dormi não sonhei levantei-me e fui trabalhar já tu tinhas supostamente embarcado e estarias algures nos céus. esta foi a primeira de muitas mágoas e nódoas negras infligidas por ti à minha pessoa pedaços de mim viam-se a cair no chão e atrás de mim ficava um rastro de sangue negro.

Ligaste nesse dia ao fim do dia já no fim do dia e eu sem forças. 

Desculpa disseste.
Queria tanto mas tanto ouvir-te ouvir a tua voz fiquei sem bateria não tinha saldo o outro telefone ficou no carro só vi as tuas chamadas antes de embarcar mas estava atrasado bebemos uns copos demasiados nem me deitei não queria mas adormeci e ia perdendo o avião.
Só agora te pude ligar.
Tenho pena tanta pena de não ter falado contigo antes desculpa-me.
Amo...
Estás bem? Sinto tanto a tua falta.
Está tudo bem disse tudo bem estou cansada foi um dia complicado cuida-te.
Desculpa.
Amo…te.

E o silêncio. 

A rede caiu talvez ou o saldo acabou talvez ou a bateria acabou talvez ou eu estava a acabar talvez resignei-me à insignificância da desculpa que acreditei piamente talvez fosse apenas isso talvez o amor resistisse a tudo talvez a distância distorça entendimentos talvez me engane talvez.

VIII – Precisamos de um corpo à espera

A distância pesava-me demasiado e a ausência cada vez maior de nós eu a sentir-me tua sem te ter e tu a fazeres-me crer que te sentias meu sem o seres dizem que já nem me reconhecem – disseste numa noite das muitas em que falávamos ao cair da noite nos silêncios que gritam em surdina – estávamos numa esplanada a beber uns copos e iam passando umas miúdas no passeio mas eu nem reparava nelas olhar fixo distante diziam-me eles estava ali mas não estava estava contigo não sabiam eles a verdade é que já nem eu me reconheço olho para elas algumas até acho bonitas interessantes mas é a tua cara que vejo o teu cheiro em mim que continua impregnado em mim tu em mim dia e noite. 

Sabes acho que ambos precisamos de um corpo.

E apeteceu-me retorquir com qualquer coisa mórbida mas tu continuaste as saudades pesam demasiado não sei quando nos vamos voltar a ver isto assim não é vida remataste com não te posso pedir que me esperes não te posso fazer isso devemos ambos seguir a nossa vida arranjar um corpo algo físico preciso de te sentir não te tenho estou a dar em doido já não tenho vontade de estar com nenhuma mulher quero-te e o discurso ia de uma polaridade a outra completamente oposta até ao incomensurável e insuportável da ausência e da carência da impossibilidade de se ter no imediato o que se quer e a imaginar sentir arrepios pelo corpo em abraços fictícios e dizias tu isso é porque te estou a abraçar neste momento como se fosse possível como se estivéssemos ligados por algo assim de sobrenatural e as lágrimas nos olhos o desespero a ilusão no seu limite máximo era assim que andávamos e era assim que nos mantínhamos de um polo ao outro de esperar a acabar de ficar a ir assim como montanha russa emocional a dar cabo dos meus sentidos e da minha sanidade mental.

Tempos esses e eu via sombras de ti pela cidade algum traço andar tique figura ao longe que se te assemelhasse e estremecia não eras tu nunca foste tu mas eu achei que poderias estar a enganar-me e afinal estar no País e afinal pela cidade e um misto de sinergias chocava em mim querer ver-te e evitar ver-te mas mantinha-me presa aprisionada dentro de ti como um casulo podia ser que a lagarta se transformasse em borboleta.

Não muito tempo depois dessas conversas em que oscilávamos entre a discussão a insuportabilidade de continuarmos ligados à mais intensa das emoções agrilhoadas quantas lágrimas tentei conter disfarçar e também tu – eu sei – e sabes acho que nunca chegámos a ser verdadeiramente honestos um com o outro eu por não ser capaz naquela altura contigo longe e a confiança a desmoronar tu por manipulação apenas isso até que arranjaste uma substituta disponível e disposta a preencher as tuas necessidades e as tuas demandas. soube depois. não por ti. o nós passou a ser marcado por silêncios e desprezo e ausência no entanto eu esperava esperava-te no regresso na esperança de que cumprisses a tua palavra e que viesses ao meu encontro. ao descobrir que havia a outra ou a principal nunca soube voltei a sentir-me como naqueles dias da adolescência um patinho feio mas tentava convencer-me que era bem mais bela bem mais interessante e inteligente do que a outra ela mas o que te levou a virar a direcção noutro sentido foi apenas eu ser eu independente e quem preza a sua própria liberdade como tu dizias e a maior razão de todas eu não fui atrás de ti não me subjuguei a ti e às tuas demandas e orientações eu pus em causa a veracidade do que dizias a tua própria veracidade

Não me voltas a chamar de mentiroso! – disseste a propósito de uma outra conversa em que insinuei que me estavas a ludibriar.
Ah garanto-te que não voltarei mesmo pois não te darei a chance sequer de me voltares a enganar!

Mas voltaste e voltaste outra vez e eu dei-te a chance sim e permiti sim e sabia-o sim mas que queres que te diga queria-te ainda assim para mim foi ai que falhámos no querer queríamos demasiado mas não tínhamos não vivíamos a presença e sim a ausência demasiado.

Uns meses mais tarde já depois de nos termos deixado de falar já depois de eu ter descoberto que tinhas outra pessoa a marcar o meu lugar a calcar a minha sombra na terra seca que pisava estava eu numa formação num novo emprego melhor a ganhar melhor com melhor horário com melhores condições aparentemente promissor e na pausa chamadas tuas uma em cada um dos meus telefones corri liguei

“o seu saldo não lhe permite fazer essa operação”

porra novamente as novas tecnologias a deixarem-nos na mão ou sem rede ou sem saldo caramba voltei a sala já em estado visivelmente agitado um mix de nervosismo com alegria e medo quando te ia ligar do outro telefone ligas-me tu atendo voltaste por pouco tempo uma semana duas não dizes estás em Portugal em direcção a casa a caminho de casa a casa da tua terra natal onde nasceste não a casa da capital não a casa perto de mim mas sim a tua casa ver a tua filha. 

Ligo-te quando chegar – remataste sem esperar resposta minha desligaste.

Não sei se o que senti foi desilusão se raiva se ate mesmo compreensão – sim, eu desculpava-te tudo mas tudo – afinal na minha cabeça a tua filha estaria em primeiro lugar sempre mas não era pela tua filha que ias para casa tinhas mais alguém à espera um corpo à tua espera.

IX – Processos pendentes – posso anular-te?


Eu estou encalhada.
Eu não, neste momento nem apaixonada estou, não tenho ninguém e estou muito bem assim!
Pois, é melhor assim, Helena. Pior mesmo é quando gostas de alguém e não podes estar com essa pessoa.
Mas não estás porque és parva!
Sabes bem que não…
Tenho-te achado muito nervosa ultimamente…
Sim, eu sei, é verdade.
Vê se tomas qualquer coisa, distrai-te, sai…
Não me apetece…
Não podes ficar a sofrer sozinha, não adianta nada.
Então e tu, Diana?
Eu? Estás a ver aqueles pedidos que temos em sistema, que estão pendentes há meses à espera de uma intervenção disto ou daquilo e não há meio de a coisa andar? Assim estou eu… em modo pendente.

Sorri. ambas ficaram a olhar para mim não sei se à espera de mais pormenores ou se por já não se sentirem sozinhas na desilusão do amor ou na ausência dele não acrescentei mais nada apenas sorri pendente é um estado indecente estes processos que nem evoluem nem se anulam mantêm-se em sistema em aberto a juntar-se a outros tantos na mesma situação a atafulhar o sistema e a ser causa de tantas e tantas reclamações e chatices pois assim estava eu sem tirar nem pôr e neste momento já eu deveria considerar o caso anulado. 

Deveria ter respondido qualquer coisa como “solteira boa rapariga e disponível” ou “encalhada” como a outra.

Simples bem mais simples. esta minha mania de complicar perspectivas dizem salta para a berma a do outro lado e vê pela janela o lado de cá simples não é? diferente não é? no entanto a realidade é a mesma apenas muda a perspectiva a tua mas na verdade a verdade maior de todas era que ainda após tantos meses de ausência ausências nossas de corpo e de palavras ainda me sentia tua e a merda é essa sentirmo-nos de alguém mesmo sem ora eu que sempre fui contra essa historia do ninguém é de ninguém e que amor não significaria possuir e que nem mesmo quando tinha estado apaixonada – sim antes já tinha estado e antes ate já tinha tido o que se possa chamar de um relacionamento assim daqueles à séria para casar ter um menino e uma menina de olhos azuis parecidos a anjinhos traquinas – me tinha sentido como contigo. momentos em alguns momentos onde olhava para o abismo ou ele olhava para mim não sei perguntava a mim mesma 
será que isto é o que se chama obsessão?

Logo eu que sempre fui contra isso – também – e que tinha terminado uma relação tempos antes por achar que o que ele sentia não era amor mas sim obsessão uma obsessão demasiado doentia e admiração de altar e que sarilho foi desprender-me dele e que sarilho foi para ele também e que sentimento descartável é esse de quando se sente que se esta a magoar alguém mas que não se pode dar palmadinhas nas costas nem ombros para verter lágrimas porque já tentaste e isso é ainda mais insane e le motiv de insanidade causador de mais e mais sofrimento ao outro em que o melhor é afastares-te de vez. 

dizem longe da vista longe do coração

Era apologista disso até agora não agora não agora que mesmo longe da vista continuas agarrado ao meu coração como corrente de aço e bigorna ao mesmo tempo que até respirar por vezes se torna difícil outras voas porque amas. 

Dias mais tarde enviei por engano um email a um colega que tinha sido transferido para outro departamento daqueles emails da treta que entre colegas tínhamos o hábito de enviar para irmos soltando umas gargalhadas ao longo do dia. quando recebo um email do diogo achei estranho não pertencia à equipa nem aos departamentos com que costumava manter contacto para resoluções várias dos processos 

“Envio-te ainda mais uns quantos assim ao jeito desses que enviaste.
É impressionante a quantidade de nomes e localidades caricatas que há por aí.
Está tudo a correr bem? Como é que estás?
Um Beijo,
Diogo”

Escusado será dizer que se tivesse forma de remediar o lapso que tinha cometido tê-lo ia feito assim a imaginar que a vida tem botões de rewind mas decidi seguir como se tivesse sido intencional sem problemas de maior mas a verdade é que nunca sequer tínhamos trocado um email sem que o assunto fosse trabalho aliás apenas trocámos um ou dois com listas de trabalho e cartas-tipo que nos faltavam em base de dados ainda estava ele no meu departamento mas não era colega com quem mantivesse grande contacto ou conversa para além de trabalho temas do foro da palhaçada eram apenas para uma lista restrita de alguns de nós uns quatro cinco que mantínhamos esse hábito e tentávamos não rir escandalosamente a tentar manter as aparências para o chefe não desconfiar do lazer em intervalos de trabalho dentro da empresa. não que o ambiente fosse rígido ou severo mas esta troca era-nos assim como intima e troca de cumplicidades não partilhada por todos portanto. a propósito do engano o Diogo e eu começámos a trocar emails - agora pessoais - dia-a-dia várias vezes por dia mensagens de telemóvel também fora de horas também em viagens também aos fins de semana também ao adormecer e acordar também.

Beijo em ti - dizia ele - Temos que marcar um jantar.

Sim vou falar com o resto do pessoal a ver quando se pode marcar isso.
O que ele nunca disse e que eu comecei a perceber era que o jantar e o temos éramos mesmo apenas nós sem plateia e que o beijo em ti me soava a provocação demasiada esticar a corda e que as visitas ao departamento eram para me ver e beber café apenas comigo. nessas coisas sou muito tonta não me apercebo ou talvez me vá apercebendo mas negue para mim mesma e continuo a achar que é apenas simpatia. passado uns tempos já as minhas colegas brincavam comigo acerca dele e das intenções dele ao que eu respondia sempre secamente nada disso lá estão vocês o homem tem namorada é comprometido e eu não estou para amar nem faz o meu tipo é engraçado faz-me rir e ponto final não há nada mais a acrescentar vocês é que vêm coisas onde não as há elas riam e tinham razão acerca do interesse mas tinham razão e eu eu quis-me afastar não gosto de gajos que mesmo tendo namorada andam ai a dar em cima de outras dele apenas queria amizade mas aquelas ternuras e as mil mensagens e emails ao longo do dia começaram a nausear-me e a revoltar-me confesso talvez por me fazer lembrar excessivamente de ti e do que vivi contigo dos nossos inícios haviam tantas mas tantas semelhanças que deixei de lhe responder. 

O que eu não sabia é que ele se tinha separado o que eu não sabia é que a relação deles estava por um fio mas que ele mantinha tentava manter por ela ser problemática uma pessoa muito complicada disse-me mais tarde o que eu não sabia é que ele gostava mesmo de mim o que eu não sabia é que se calhar podia ter tentado ser feliz com ele o que eu não sabia é que se calhar ele era capaz de me fazer feliz e não sabia nada disso porque continuava a achar que o Napoleão viria de lá do nevoeiro a cortar o nevoeiro em postas no seu cavalo marreco agarrar-me pela cintura dizer que me amava que desta vez iria ficar sim falo de ti Francisco napoleão sem patente renitente desistente sem desistir a resistir ao tempo a corroeres interiores que habitaste em abandonos de veracidades cruéis falsidades mascaradas. 

Por tudo o que vivemos e por esta obsessão de te amar e pela tua capacidade de manipular e manter as pessoas presas a ti mesmo que pela negativa pela discussão por tudo isso vivi encarcerada dentro de mim durante dois anos sem deixar ninguém se aproximar e nem sequer a permitir-me olhar para os outros com olhos de ver olhos de sentir os do coração de olhos fechados voltar a confiar fiquei com esse medo – mais esse - e à desconfiança e medo de abandono que já me acompanhavam juntou-se-lhe este ódio e nojo a ti um asco pegajoso que se entranha em nós e ofusca qualquer luz ou cor que se tente encostar que esteja do nosso lado ao nosso lado afastei-me do Diogo sem sequer me ter permitido voltar a respirar novamente e ceguei de tontura mesmo de olhos abertos ceguei 
ceguei os sentidos

afundei os sentidos vomitei melancolias escondidas em sorrisos e boa disposição com que encarava o dia-a-dia sozinha o abismo e a escuridão ainda assim o Diogo foi uma luz para que possa haver sombra - sabes na escuridão - onde os reflexos de corpos se unem e cruzam por momentos depende da direcção da luz e do nexo que a sombra tem na tua cabeça.

X – A benção da ignorância


Acho que afinal fiz a escolha acertada.
Digamos que as escolhas têm sempre dois lados, o que para um é certo para o outro pode ser errado. Por isso espero que sim, que tenhas feito a escolha certa porque eu estou certa de que a fiz.
Desejo-te o melhor. Sê feliz. Cuida-te. Beijo.

Dois anos depois um ano e meio depois do nada um nada que não foi bem nada na verdade íamos de quando em quando trocando músicas sentimentalistas e tretas do género de vez em quando mandavas do nada mensagens de saudades tuas provavelmente deveria ser quando vocês se chateavam assim do nada por nada.

será que ela sabe disso?

Não valerá a pena que saiba por vezes mais vale mantermo-nos na ignorância 

será que tu sabes da traição dela?

Se calhar também não sabes não tinhas perdoado a uma tua ex-namorada antes também certamente não terias perdoado a esta. mas soube o César e soube eu contaram-me mais por causa do César do que por ti ou talvez quem me contou o tenha feito mais por causa de mim e dele do que por ti mais por mim para que eu no entender dessa pessoa pudesse sentir-me vingada de ti através dela pelo César porque sendo ele teu melhor amigo estava no dilema de te contar ou não não contou evitou sofrimentos desnecessários por vezes é melhor assim. e ainda estão juntos vocês a viajar mundo fora como se a vossa casa fossem todos os lugares do mundo e mais os que possam existir todos menos o sitio onde nasceram e o sitio onde esta a tua filha.

Falaste de escolhas para te despedires assim como tentativa de afronta por teres entendido nas minhas palavras antes da tua provocação de que seriam as últimas 

desejei vos aos três – a fazer-te lembrar que tens a Pilar e és pai deverias sê-lo ou não afinal quem sou eu para saber o que deve ser ou deveria ser o que é certo para ti ela e os outros em julgamentos de faca e alguidar sem pontas de amolar alguidares rotos e facas rombas do destino não julguemos não julgarei vou tentar – felicidades e que até tinhas ganho pontos na minha consideração por finalmente teres assumido uma relação ao fim deste tempo todo que te conheço o homem solitário que andava sempre à caça de presa mesmo tendo uma já presa continuava a caçar e caçar a despedaçar e estraçalhar tudo o que tinha a infelicidade de cair na rede. 

Certamente não gostaste do tom da minha despedida e da provocaçãozinha do ganhar pontos daí teres disparado como um sniper aquela história de escolhas como se dissesses que afinal fizeste bem em escolher ficares com ela e deixares-me a mim se a intenção era magoares mais uma vez falhaste se a intenção era tentares manter-me por perto por te sentires como aquelas crianças carentes a quem se dá um doce e elas já acham que somos amigos também não teve feedback do lado de cá se achaste que o ganhares pontos para mim pelas tuas escolhas me faria aproximar de ti enganaste-te uma vez mais aposto que achas-te que te podias aproximar novamente e tentar saber da minha vida vasculhar os meus sentimentos novamente e tentares-te apoderar da minha sanidade mental novamente enganaste-te também a intenção neste momento era mesmo a de me afastar já não faz sentido falar-te trocar uma palavra que seja incomodas-me e na verdade quero-vos e quero-te deixar livre de Diana da neurótica Diana para que sigas mesmo o caminho que escolheste e que me deixou para trás com tudo o que daí possa advir no fim de contas apenas desejo que assumas te assumas como homem que o sejas assim como quem testa uma bateria nova a ver quanto tempo aguenta ou se aguenta o tempo que vem no manual de instruções assim aquele tempo predefinido ou se afinal tem mesmo defeito de fabrico. 

Sabes quando por vezes sofremos demasiado chega uma altura em que já não suportamos sequer chegar perto do le motiv do sofrimento neste caso tu mas não chegar perto não por ainda sentir algo mas por nos incomodar e já não fazer sentido como se fossemos dois desconhecidos que nunca partilharam nada na vida nem da vida e que não se sentem ligados por nada um ao outro não faz sentido entendes agora? 

As minhas palavras finais foram sentidas não menti como em tempos o tinha feito ao dizer que já não te amava desta vez não menti não te menti e é curioso como apesar de me teres feito tanto mal eu não sentir já não mais ódio nem nojo apenas te quero longe não só fisicamente mas de qualquer forma longe e espero que não a magoes é tudo o que espero mas também não me posso querer considerar Deus e querer proteger todo e qualquer Ser ao cimo da Terra sabes é que depois acabo por me esquecer de mim e do cuida de ti esqueço do cuidar de mim sim ao querer cuidar dos outros mesmo quando apenas peço a Deus que os proteja e neste caso que tu não a magoes e que ela não sofra como eu durante estes anos por ti e que tu também não mas eu sei a lei da vida existe muitas vezes o que dás retorna a ti em dobro aparentemente parece-me que isto só é válido para o sofrimento. 

O que fiz eu de tão errado para ter sofrido assim?

XI – Put your hands on my face and tell me you love me

Hands upI love you dos Madrugada em modo low profile volume no mínimo o suficiente para que se possa ouvir ouvir-te também. 

Tinhas ido directo para casa a casa na santa terrinha em vez de cumprires a tua palavra de que virias ter comigo assim que voltasses a três meses de teres ido a nossa primeira separação ainda a dois a acreditar eu iludir tu de que mesmo à distância seria possível seguirmos com o relacionamento que seria apenas uma fase necessária à tua vida mil e uma promessas depois da desilusão e prova clara de que não seria essa nem aquela nem aqueloutra a tua intenção quando na noite da despedida nem um telefonema foste capaz de fazer nem atender telefonema meu sabias que te esperava e gramavas essa sensação de deixar os outros à mercê 

sentir-te-ias amado assim?

Agora asseguro que sim fazia-te sentir maior melhor poderoso neste jogo que tão mas tão bem jogavas e do qual nem as regras eu sabia nem as teclas pré-definidas e perdia ia perdendo frustrando não subia de nível não passei de nível durante uns tempos bastante tempo é certo tal a complexidade do jogo em si ou tal a cegueira do amor em mim por ti. 

Voltaste e seguiste para a tua querida e santa terrinha como já referi. ao jantar ainda aguardava o telefonema que achava teres prometido aquando chegasses apenas para saber se tinhas chegado bem no entanto disseste-me que eu que disse que te ligava ainda hoje me questiono sobre isso o que mais está de acordo com o meu eu comigo mesma e com os que gosto é pedir que me liguem quando chegam apenas para ficar descansada e segura de que chegaram bem mas tu insististe em me dizer que eu que estava em falta para contigo eu que te fiquei de telefonar pormenores que em nada interessavam mas interessavam para descentrar a verdadeira razão a verdade dos factos e das fugas e das agressões sem corpo. nessa noite gritaste pela primeira vez ao telefone enervadíssimo com mil e uma coisas que estavam fora de sitio desarrumadas correio a acumular pó a acumular e sei lá eu que mais já nem me lembro lembro-me de te ouvir a descer as escadas a sola das botas a bater furiosamente no chão o passo corrido a raiva e os gritos e merda porra e outras verborreias semelhantes eu ria chegou a uma altura em que eu já deitada no aconchego da cama nem me lembrava já que deverias estar aqui comigo e não aí e ria ria da tua exaltação da tua frustração que nada mais era por teres quebrado a tua palavra e de eu afinal te atender o telefone e de eu afinal falar contigo e de eu afinal ainda estar apenas isso estar e sabes passei no teste no teu daquele dia sabes porque? simplesmente porque me querias assustar ver como reagiria eu ao teu lado negro aos teus gritos e obscenidades e tudo isso sabes Francisco tudo isso a imagem que recriei de ti na minha cabeça era apenas ridícula tu ridículo pequeno e triste apesar disso foste nojento mais uma vez em vez de bons sonhos transferiste pesadelos com a voz em vez de abraços e ternuras enviaste raiva e ódio e instabilidade isso percebi no dia a seguir depois de nem ter dormido quase nada por te ter estado a ouvir até altas horas da madrugada sem teres dito uma única palavra de carinho mudaste mudaste-me com o passar do tempo por teres mudado quando voltaste ou secalhar não mudaste e revelaste-te possibilidades. 

Na manhã seguinte pediste desculpa pelo teu comportamento da noite anterior de emigrante em fúria passaste para emigrante suave assim como do charuto para o tabaco light perdoei claro que perdoei como tentei compreender a tua quebra de promessa e a tua cobardia camuflada sob um bem maior desculpa pediste por teres falado da forma como me tinhas falado choveram chantagem emocionais de alto gabarito ou baixo nível depende do ponto de vista.

Preciso de ti. Vem ter comigo.

Era isto que eu tinha na caixa de mensagens um dia na madrugada na noite seguinte apenas isso hoje digo-te o que não te disse antes por na verdade não sermos um verdadeiro casal apesar do amor que transbordava de mim para ti e de ti falseado em mim a escassa confiança em ti não me permitia partilhar-me levianamente. curioso sermos levianos em algumas áreas e noutras completamente retraídos por falta de confiança no entanto sem ela a confiança entregamo-nos em parte mas outra parte de nós guardamos como jóia preciosa ou algo de grande valor sentimental a verdadeira intimidade é partilha de nós não da carne não o corpo mas sim a alma os sentimentos

 intimidade em dosagens pequenas é intimidade? 

Digo hoje a ti o que naquela altura não te disse por falta de palavras abandonadas que mencionei não em vão gravei-as em mim pedias que fosse ter contigo imaginei que mesmo tu não merecendo poderia fazê-lo aparecer-te de surpresa imaginei e queria muito ou não porque não o fazias tu que tinhas dado a tua palavra antes de ires esqueceste-te pretendias com isso magoar-me testar-me não fui se viesses buscar-me certamente teria ido no fim de semana contigo e estiveste cá na sexta feira ao fim de tarde para vires buscar o teu tio que ia aí todos os fins de semana mas nada me disseste porque na verdade Francisco a verdade não querias nem me querias voltar a ver ou querias sim querias mas querias mais ferir-me que fosse a correr atrás de ti não fui nunca fui 

nunca me perdoaste isso.

Aonde enfiaste todo o amor que apregoavas? guardaste-o no bolso do casaco que ficou perdido numa qualquer estação de comboios ou metro ou apeadeiro dos barcos num qualquer País desconhecido para mim onde passam muitas faces igualmente desconhecidas onde alguém o andará a usar agora sem saber que tem amor no bolso assim para usar e abusar porque é tao grande e pequeno ao mesmo tempo que jamais se esgotaria?

Chegámos a um ponto em que a minha memória falha no tempo e espaço nas palavras e actos o momento em que me apagaste em que colocaste um fundo falso entre nós daqueles invisíveis mas que escondem o que está por detrás deles eu lá sem saber e tu do outro lado a saber sem dizer apenas nada não disseste nada a angústia do lado de cá a ser arrebatada pelo desespero da insignificância a superar e escalar montanhas para conseguir ver se conseguia ver o horizonte abafada enterrada viva nesse fundo falso que compraste a custo zero na loja dos trezentos na esquina do esquecimento. 

Perdi o contacto perdi-te sem que te tenha verdadeiramente perdido mas perdi e perdi-me neste jogo do amar e brincar experts em lego e puzzles a 2D entreténs de quem não quer pensar a ver se pensa e não pára a parar segundos de vida.

Soube que estiveste por cá bastante tempo não uma semana não duas mas meses talvez e que enamoraste outra moça da tua santa terrinha resignei-me à insignificância do que o amor poderia eventualmente significar para ti ela abandonou-te disseram-me tu voltaste para o estrangeiro algures disseram-me.

Fomos um livro inacabado.

XII – O céu é algodão doce

Andei a remexer a papelada antiga arrumações de memórias antigas do tempo de escola encontrei fotos e panfletos da tua santa terrinha um intercâmbio escolar encontrei as cartas do meu pen-pal – como lhe chamávamos na altura numa altura em que se escreviam cartas ainda se escreviam cartas assim à moda antiga tão mas tão antiga que hoje soa a filmes mudos e a preto e branco - a fotografia que me enviou vieram cá e nós fomos aí há vinte anos memórias com vinte anos espera pensei espera quando nos conhecemos sentimos que nos conhecíamos desde sempre ligações de longa data com barbas brancas a arrastar pelo chão achámos que seria algo transcendente coisas do destino e da vida dizem não coisas da vida sim já nos tínhamos cruzado não eras o meu pen pal mas sim um amigo teu um colega de escola estavas no grupo na turma do intercâmbio conhecíamo-nos afinal e afinal porque só passados vinte anos nos sentimos ligados como que por pensamento e olhos de faíscas em corações de chamas? vi-te há vinte anos atrás vimos-nos e não me lembro nem do nome nem dos traços do teu rosto na verdade nem do teu nem de nenhum dos teus colegas nem sequer do meu pen pal teu amigo de escola apenas me lembro dos meus colegas poucos um em especial tinha uma irmã com o meu nome que adorava mais que tudo no mundo mais que a ele próprio e me adorava a mim também não entendi na altura das nossas brincadeiras poucas e conversas sérias muitas. dessa viagem apenas recordo o pátio da escola à noite a minha conversa com o Tiago o roncar do Rui que era capaz de acordar a Serra inteira e a noite aquela noite que lá passámos em que quase íamos perdendo o Tiago. perdemos meses mais tarde gás disseram perdi-o um luto tremendamente arrastado demasiadamente arrastado para que fosse suportável degustar convenientemente o inicio da puberdade e o passar ao lado dos cemitérios jamais voltar a entrar em enterros o gritar da terra a bater na madeira e a convulsão a devassar-me o corpo inerte a querer correr para casa para a cama fechar os olhos e saber que foi um pesadelo apenas um sonho mau não foi.

Tínhamos estado juntos numa visita escolar há vinte anos atrás reencontramo-nos com a intensidade de duas décadas de atraso ainda crianças por dentro adultos a rasgar caminhos por fora acasos não há dizem digo eu não há continuam a não haver tudo tem a sua ordem o seu rumo os seus traços encantamento abre os olhos vou abrir e olhar o céu que se desfaz em algodão a conter ternuras dentro de mim.

XIII – Conversas caipiras ou caipirinhas de conversa

“Olá Diana. Que saudades tuas. Está combinado, amanhã no mesmo sitio de sempre à mesma hora. Qualquer coisa liga-me, o meu número é o mesmo. Beijo, Carlos”

Tudo estava como antes há sítios que parecem não ser tocados pelo tempo apenas as caras mudam outras os mesmos sorrisos conversas gargalhadas odores traços simpatia os mesmos os bancos que giram e rangem são os mesmos foi ontem que cá estivemos pela última vez ou primeira tanto faz estamos agora outra vez ou de novo pela primeira vez. ficámos cá fora a tarde quente de inicio de primavera ainda indefinido uma breve e lânguida brisa a surripiar pontos a vermelho no termómetro da parede ainda casca de ovo é assim que lhe chamam um dia dei comigo a olhar para a cor da casca de ovo e a constatar que na verdade darem esse nome à cor daquela tinta era curioso pode-se dizer que é arraçada de casca de ovo mas falta-lhe um bocadinho assim como ao danoninho e o tal anúncio estúpido de antigamente. 

Sentámo-nos a três quartos como sempre como nos velhos tempos não frente a frente como muitas das vezes vejo os outros fazerem sempre fiquei com a impressão de que quem se senta assim está a disputar qualquer coisa como num duelo ou combate e pouca é a intimidade ou proximidade que têm quase rivalidade. 
a três quartos sentamo-nos como velhos amigos que éramos 
somos ainda. 

…e foi mais ou menos isso que se passou – rematei depois de me ouvires por mais de meia hora em silêncio.

Eu bem que tinha razões para ficar preocupado Di quando me falaste nele ainda estavam no inicio…
Sim, achei que tinha tudo sobre controlo que não íamos chegar aonde chegámos, que não iria passar de encantamento passageiro.
Estavas radiante a negar um envolvimento que era visível. Temi que te magoasses outra vez, tu que já passaste por tanto. Gosto tanto de ti.
Também te adoro. Mas sabes que por mais que tentemos proteger quem amamos isso é tarefa impossível.
Mas tentamos.
Nunca conseguimos…
Às vezes achamos que sim…
Mas não…
Não.
Não mesmo… e devia ser possível assim tipo super-herói que aparece na hora dos apertos e nos salva de cairmos no abismo.
É… se bem que sermos amigos é um pouco isso, salvar do abismo amparar quedas…
…Apanhar o outro quando ele está em queda livre mas acha que está a fazer bungie jumping na maior segurança mas sem corda… obrigada por estares aqui
Tonta, obrigada eu. Por tudo, por teres sempre estado… que eu gostava de ter estado mais, ter podido agarrar-te sem que tropeçasses no abismo. Fico feliz por estares aqui. Pareces cansada…
Ainda estou a recuperar da ressaca… - Sorri
Tenho gurosan se quiseres, sabor laranja.
Gosto de limão e de café e de cigarros e de caipirinhas. Bebemos uma?

Não sei bem quantos anos se passaram desde que não via o Carlos tínhamos jantado juntos há uns anos atrás ainda no inicio do encantamento por ti Francisco mas já depois de uma ou outra desilusão e de teres ido para longe por tempos pouco tempo encantamento digo eu mas esse já deveria ter escoado todo deveria mas não tinha. o Carlos nessa altura disse que estava preocupado comigo por causa dessa cena tu e outras merdas da minha saúde verdade que garanti que estava tudo controlado estava tudo nice tudo bem super cool não te preocupes mania parva de nunca querer preocupar os outros mesmo quando estou a cair para o lado ainda sorrio e disfarço bem por sinal muito bem alguns maior parte nem dá conta de nada segue seguir em frente sempre é o caminho sempre doa o que doer seguir sempre sempre como se as tonturas não te cegassem e o coração não parasse como se a respiração não falhasse e os gestos não fossem imprecisos segue segui seguir sempre 
não corras contém respira 
anda segue 
não te doa nada nem a ti nem a ninguém 
respira.

Uma vez estávamos aqui nesta mesma mesa fim de tarde verão tínhamos saído do trabalho ah e tal relax conversa fiada risos partilhados olhar em frente um prédio numa varanda aberta um homem de sua forma física duvidosa com mais mamas que muita boa gaja por aí pálido branquela e flácido em boxers a fazer flexões de braços num ferro qualquer que tinha preso junto ao tecto. o que faz um gajo em plena tarde de verão que mora mesmo virado de frente para uma esplanada ter o à vontade de ir exibir o cabedal que lhe falta para a varanda? foi digno de uma paragem de uns quantos segundos nossa na conversa e de um breve momento de pausa no nosso particular mau humor desse dia. 

Ainda filosofámos sobre esta cena, lembras-te Carlos?
Claro que me lembro, estávamos com um humor de cão nesse dia. Como a auto-estima ou a alienação pode ser um bem, divagámos nós.
Continuo a achar que era alienação.
Ou completo desprezo por si e pelos outros…
Achas que o gajo ainda mora ai? Era engraçado ter um deja vu passados tantos anos…
Népias, vai na volta o gajo agora tem menos barriga que eu e é todo cheio de style.
Achas? Ninguém te bate em charme, continuo a ser a tua fã nº1.
Eu? Tu é que quantos mais anos passam mais bonita ficas, não sei o que fazes mas se não fosse teu amigo sabes que estava na primeira fila a competir com os outros mil gajos que são na maior parte uns totós que nem sequer sabem cativar e lidar com uma mulher inteligente e independente. Areia a mais para o camião deles continuo a dizer-te minha querida. Cambada. Tu és melhor que eles e mereces melhor do que esses palhaços que te apareceram na vida, até hoje não conheci um namorado teu que achasse bom para ti, sabes isso, talvez apenas o Bruno, mas mesmo esse… mereces mais.
É à pala desse discurso e do mereces melhor que bem posso ficar sentada à espera, Carlos. Quando é que vai aparecer-me um gajo como deve de ser? Nunca.
Não penses assim. Olha para mim que achava que tava perdido. Conheci a Rita e agora… estou feliz. Também vais encontrar alguém como deve de ser, acredita. Mas não te preocupes com isso senão ficas ansiosa demais e deixas de ver o que de importante está ao teu lado. Relaxa enjoy life miúda.

O Carlos agora já era pai de uma menina linda. há uns anos atrás depois de muitas relações falhadas disse-me “sinto-me sozinho” e o que ele queria dizer é que sentia a falta de uma família. encontrou. 

Acabámos a caipirinha em nome dos bons velhos tempos e das boas e longas conversas terminámos o cigarro vicio de tantos anos e cúmplice de silêncios partilhados ficámos de combinar um jantar com a mulher e a filha. segui até à praia ver o pôr-do-sol molhar o pés sentir a liberdade a vida a palpitar dentro de mim os sorrisos de união em faces desconhecidas o calor a percorrer cada célula do meu corpo a sentir o cansaço a abater-se sobre ele na esperança de conseguir dormir uma noite completa sem a pilula da submissão e chá de limão com mel ou bolachinhas com leite músicas de embalar as tuas palavras e abraços foram espaços vazios que me faltam entre braços preencher espaços calar calar-me pensar não pensar dançar sozinha sob o escuro tépido da sala em velas acesas e cheiro incenso jasmim mesas no caminho cortinas acesas em gestos de vai e vem como se o corpo cheio de amor esvoaçasse volúvel sem peso indolor a rebater tentações a ilusão de se ser feliz a ser sentimentos desvairados e combatentes da dor em noites foram foi o dia mais um dia o tal.

XIV – Ar-te is blindness

O dia da apresentação de um espectáculo meu poesia pintura música em parceria com outros artistas – somos todos nós, artistas da vida na vida – sobre a vida pré morte e momentos vivídos da memória em calorosas e ardentes declarações de amor para alguém alguéns perdidos num qualquer universo paralelo vi o César na plateia. abatido. sem ela sem ti. bebemos um copo falámos de coisas da vida da minha da dele sem mencionarmos o teu nome por minutos ele falou em ti estavas por cá na capital ias ser pai novamente separaste-te dela estavas sozinho novamente deixaste de viajar tinhas ias ter dois filhos de duas mulheres diferentes com quem já não te davas procuravas trabalho ias fazendo uns biscates no café de um conhecido que de vez em quando te chamava normalmente quando estava de ressaca ou quando ia jantar com uma nova conquista ou havia o jogo do grandioso que ele fazia questão de não perder nem um. pediu-me que te voltasse a falar neguei não podia como podia eu voltar a falar contigo e ser cínica fingir que me preocupava arriscar a cair na tua teia novamente não neguei por educação desculpa mas não posso cuida dele voltou à bebida Diana e mais não sei o quê tu sabes aquilo que tememos quer dizer que tu temias que eu temo não sei como o ajudar também não posso estar sempre presente sente-se pior que antes acho que ia gostar de saber de ti de saber que pode contar contigo mas se achas que não podes respeito sei que sofreste muito com ele sei que achas que ele não merece mas pensa nisso dares-lhe a mão uma palavra amiga. mas ele tem amigos tem te a ti César um amigo que tantos gostariam de ter sabes que te admiro que admiro o teu sentido de amizade de lealdade e o que és nunca me faltaste sempre estiveste presente e até poderias ter ido embora quando ele se foi afinal eras amigo dele e não meu e agradeço-te teres ficado teres sido quem foste e por ainda estares aqui mas quanto ao Francisco nada posso fazer já não há amor nada ficou secalhar estou a ser insensível mas é a única maneira que sei e que posso de lidar com tudo o que se passou virei a página voltei a conseguir ser eu mesma pensar em mim recuperar a minha auto-estima estraçalhada por ele não posso voltar atrás nem correr esse risco não posso. 

Bebemos um último trago em silêncio. apareceu o João quem me acompanhava nas performances tratava da música improvisava temas de emoções onde o silêncio jamais teria lugar ou o sofrimento só o fingido e a lágrima sentida em cumplicidades de vidas que se tocam momentaneamente. estava a minha espera. despedi-me do César com um ate já liga-me. 

Saímos fomos jantar finalmente jantar antes das apresentações nunca consigo comer nem beber nada nervos mesmo depois de já ter feito isto umas quantas vezes de aparecer em público já deveria estar habituada mas há sempre uma ansiedade talvez excessiva antes das performances que normalmente correm sempre bem têm corrido sempre bem mas há sempre o medo do medo e o medo de falhar de não se estar à altura do nosso próprio patamar do sucesso da performance bem conseguida segundo os parâmetros da nossa inner exigência digo que devo ter um super-ego demasiado castrador que me põe o ego a mil com medo da catástrofe sem ser anunciada sem pré-aviso quanto ao id por vezes anda adormecido intencionalmente porque aqui entre nós que ninguém nos ouve ele quando se descontrola é imparável e arrebatador por isso deixemo-lo sossegadinho para evitar mais desilusões e nódoas negras no coração amachucado de quedas de outrora. 

Estás bem? Ficaste pensativa depois de sairmos.
Está tudo bem. Apenas fiquei a pensar numas coisas que aquele meu amigo o César me contou.
Ele não está bem, é isso?
Não, ele está bem, quero dizer acho… Mas não foi nele que fiquei a pensar, mas sim num amigo comum que temos. Um ex-namorado meu. Nada de especial.
Se é ex não te deves preocupar! – gargalhada.
Ri-te ri-te mas tens uma certa razão, apenas me devo preocupar com quem esta do meu lado, ao meu lado digo, assim tu por exemplo.
Comigo não tens que te preocupar, estou contigo estou bem.
Ui fosse tudo tão simples.
E é. Simples como o amor deve ser.
Não comeces...
Acabo. Não quero. Acabar.
Vá, que vamos comer?
Eles aqui fazem um prato que vais adorar. Já venho.

Falámos das ideias do novo projecto pormenores de cenário e entoações vozes em intimidades que partilhamos por cumplicidade em ternuras que se derretem no espaço de nós. o João era desde sempre uma ligação por e de ternura sem haver propriamente amor ou intenção amorosa concretizada apenas carinho um enorme carinho cuidado uma enorme vontade de cuidar e criatividade união cumplicidade e partilha artística uma empatia quase que transcendente que não se deveria jamais ignorar. quem nos visse afirmaria que éramos o casal ideal amigos amantes em sintonia éramos casal por sermos 
um e um mas não nós.

“Preciso de ti, do teu abraço onde um beijo seria sinfonia eterna em compassos dessincronizados na sincronia de nós. Preciso de te ver”

Mensagem tua do dia seguinte acordei com o toque da mensagem certamente falaste com o César ou o César falou-te de mim não quero saber vou ignorar ignorar a tua existência aprender a dizer não a quem me disse não quando mais precisei vingança não me parece que se trate de vingança não me alimento de tal fel mas justiça talvez ou mais que tudo lutar pelo meu bem-estar
tu fazes-me mal.

XV – O inesperado mora na rua do lado

A claridade abafada da cidade ao fim do dia cor amarelo alaranjado laranja a baixa e o cair da noite com sol ainda sol aquece paragens ruas apinhadas de caras desconhecidas familiaridade da pertença notas de jazz chegam-me a flutuarem nos espaços vazios. vou subindo a rua passo a passo sorrisos a cruzarem artes circenses e pedintes artistas da sobrevivência penso no café nos macarrons delícias pequenos prazeres preliminares de compras pós-trabalho sozinha como gostava de por vezes estar sozinha a ser eu apenas eu disponível ao mundo atenta aos detalhes aos odores aos sabores apreciar saborear momentos de calma alívio do stress acumulado recarregar baterias elixir da juventude e da boa disposição. 

Subo a rua ao telefone a Vanda que desta vez teve de seguir sozinha na viagem até casa ligou porque não sabe lidar com o caminho a sós não sei medo não sei solidão não sei silêncio. falávamos de trabalho coisas banais da vida do calor do fim de tarde fantástico dos caminhos das ruas que iam dar à felicidade. subo a rua aproximo-me das notas de jazz no varandim do edifício que dividia e assinalava a entrada numa outra movimentada rua da cidade maravilho-me perco o olhar a olhar perco perco-me a olhar para cima há músicas que tem este efeito em nós o de nos perdermos notas que se enlaçam a formar corpos sem nome em que nomes é pormenor irrelevante magias que nos assaltam de rompante e têm a capacidade de acalmar cada célula cada respiração bater do peito a ritmar passos. vejo-te a ti tu aqui encostado à parede junto à multidão no espaço vazio da multidão de negro como a sombra que nos persegue viste-me também há quanto tempo já me terias visto viro a rua rumo ao destino o meu. comento com a vanda ela sabia da história nossa vê la se ele não te seguiu cuidado liga a polícia se vires que te segue cuidado é preciso ter muito cuidado porque que é que ele ia estar aí a essa hora na mesma altura que aí passaste deve andar a seguir-te calma calma sei lidar bem com isto ele não me vai seguir calma vá se precisares liga-me o comboio vai arrancar fica descansada ligo não será preciso.
não foi.

Saí da loja o jazz ainda a entrar nos poros não te vi segui ao café curto com princípio os meus são sempre com princípio chávena escaldada fria tanto faz açúcar adoçante nada no caminho cruzamo-nos seguiste segui-te nem isso nem aquela outra hipótese o destino esse não manda não exige não dita ditador eras apenas tu em pele de ovelha lobo dois lobos que se cruzam natureza selvagem a medir forças. nem uma palavra sorriso sussurro toque ao de leve virei na primeira à direita paraste especado inerte êxtase ou surpresa hipnose estática lembrança repressão ausência nem uma palavra breve esboço de sorrisos antes trocados viajantes na mesma terra pisam placas tectónicas a desmembrarem desfazerem ânimos nada nem uma palavra sussurro dois vagabundos na mesma cidade estranhos a trocarem trocam-se memórias. 

Não te conheço tempos houve que tentei reunir os traços do teu rosto inoportunamente a falhar sempre um qualquer pormenor a tua boca a linha perfeita do teu pescoço onde repousei calmamente tantas vezes no conforto o conforto aconchego das horas de ternura e momentos partilhados a sós sem estarmos sós. falhava sempre na tentativa sucessão de tentativas de te recuperar não te conhecia deixei de conhecer não és mais o mesmo não sou a mesma mudámos mudei mudaste por fora apenas por fora mudámos jamais a essência não muda transmutadores a reciclar sentimentos e acções perpetuam horas que tombaram na demora e na distância. o olhar o teu o abraço abraços os nossos nunca esqueci acho que foi a única lembrança que retive de ti sabes mas a reconstrução do teu rosto falhava falhou-me sempre desde sempre depois de meses de separação forçada ilusão de dois a serem um e um falhavam-me os pormenores e à força de te tentar reconstruir em mim momentos de fraqueza de tempos idos recorria às fotografias tuas antigas e sentia ainda sentia sentia-te meu eu tua ainda assim. 
Hoje vi olhos baços sem vida corpos mortos em ti a clamarem perdão e liberdade mortos de cansaço frio é o gelo que consumi nas bebidas do teu esquecimento frio foste tu és agora mero errante no caminho perdeste-te sei que sim perdi-te também soube 
não te sinto mais.

“Ao menos podias ter-me falado. Espero que estejas feliz”

Minutos depois poucos minutos depois eram estas as tuas palavras numa sms a despertar ligações antigas unidas pelo desprezo raiva ligações que tão bem conhecias dos teus jogos de predador presas fáceis por desilusões de amor tuas presas unidas pelo negro a ti sempre pelo negro. mas Francisco agora ignoro já consigo ignorar ignorar-te neste teu antro de impureza e cruéis falsidades nego nego-te deixei de me negar segui o meu caminho saí sair saída placares a anunciar saídas a serem entradas mesmos espaços partilhados em direcções que se renegam respirar o ar impuro da cidade abafada sob o sol a cair uma miscelânea de odores café perfumes indecifráveis as ruas calcadas de pés sem conta de perder a conta a fazerem de conta serem homens que não foram a quererem ser mais cremes bronzeadores dos turistas na pele mix da cidade de mil cores culturas aromas adocicados respirei fundo olhei fundo horizontes de multidões copos a tilintar e chávenas vazias gargalhadas de descontracção escapes de dias cinzentos no escritório nos armazéns no escuro da claridade dos dias monotonia dos dias respirei fundo e senti-me livre novamente livre
de ti apaguei-te.

XVI – Ouvi o texto muito ao longe

Contaste-me um passado de irreverência à margem caótico de suspeitas tu suspeita de qualquer acto ignóbil que não ouso sequer recordar apenas porque hoje tenho dúvidas dúvidas de se o cometeste se sequer tal acto existiu se sequer tu estiveste envolvido se apenas foi mais uma história tua fruto da tua excelente capacidade de mentira compulsiva e criadora de realidades inexistentes vícios vários declínios da juventude actos irresponsáveis ou não não serei eu a julgar julgar-te não me caberá a mim tal tarefa ingrata não te julgo prefiro preferi afastar-me disso das tuas histórias dementes vividas imaginadas sonhadas manipuladas mas apenas depois só depois de ter decidido de mim para mim abandonar esta nossa ilusão alucinação conjunta loucuras a dois talvez a um tu a inflingires injectares uma dose atrás de outra líquido gasoso corrosivo de loucura desalento abismo negro e queda em máscaras de mil cores bandas sonoras nostalgias melancolias várias enredadas nas falsas declarações e fáceis amo amo-te preciso preciso de ti os outros fuzilados sem se aperceberem outros a enlouquecer será isto talvez isto ou aquilo o quadro a tela por pintar mesclada de nódoas cinza a culminarem rasgadas folhas de papel em branco de rascunhos invisíveis indecifráveis 

até quando?

Tempos houve em que acreditava que poderia ficar com alguém assim tempos houve em que pensei poder ser a salvadora da pátria a tua esta mesma que se perdeu a encontrar o caminho de volta à origem tempos houve em que caramba tinhas passado um mau bocado tinhas recuperado merecias o melhor queria ajudar-te estar do teu lado impedir que jamais voltasses a sentir sentir-te a cair ou caído no chão a achares-te a flutuar mirabolantes recônditos espaços da mente demente se tornou.

A verdade é que lá voltaste à origem errante a tua o receio do César e meu de tempos idos nosso medo de te agarrares na queda ao que te faria cair mais ainda abismos que se afiguram escorregam sem pé baloiçando o real num fio imaginário a verdade é que nunca de lá saíste verdadeiramente vieste à tona mascaraste-te e os demais respiraram de alivio sorriram ergueste-te da bruma e do nevoeiro que passou mas enterraste os pés na neve naquele espaço de onde nunca saíste gelaste. recuperaste a tua vida depois do virar as costas portas fechadas a cadeado viraste viraste-te do avesso e agarraste seguraste o que foste capaz ela acompanhou-te por uns anos a desculpar oscilações do eu fragilidades tuas a serem fortalezas encerradas da Pilar foste afastando-te ao contrário do que eu supus quando te soube bem na vida como os de fora dizem não viste a tua filha crescer cresceu sem ti pai ausente a chorar de saudade e de remorso (seria real?) por não a ver crescer o tempo comeu a intimidade e a proximidade dos laços. tiveste outro filho dela ela fugiu de ti abraçou o menino renegou-te como amante e amigo pelo que soube pude saber contaram-me mais uma vez (é verdade?) nunca estiveste com ele apenas viste fotografias que ela te enviou pouco tempo depois de te teres mudado para aqui agora vieste para cá neste espaço que é o meu e pergunto-me porquê de quem estás a fugir quem queres encontrar o que esperas o que te espera aqui quem te espera cada vez mais te distancias dos teus de quem por elos de família jamais te renega ou talvez te renegue bebes mais um trago e outro a consumir os escárnios entranhados na pele e os olhos agora opacos já não falam mais em ternura nem sussurram palavras de amor.

Ainda sentes?

Ouvi o texto muito ao longe repetia o Camané nas horas mortas da dor da lembrança.