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Monday, July 7, 2014

VI – Nos teus braços o amanhecer de mar


Lembras-te lembras-te pois das nossas caminhadas como desculpa para estarmos juntos e que se tornaram hábito todas as noites ao final da noite já madrugada fora como se a manhã não estivesse à nossa espera ou a cama e o sono tantas vezes adiado esquecimentos perdas intencionais de memória espácio-temporais de nós juntos em que tudo o de mais estava literalmente a mais deixava de existir ou melhor reconheço que isso é mentira grande epifania dizer tal o que deixava de existir não era o espaço não eram os outros não era o que nos rodeava eram as horas os minutos os segundos de quando nos perdíamos no nosso olhar que se via reflectido um dentro do outro em iluminações de luares quando a praia já tinha fraca luz ou a Câmara Municipal ou a Junta ou o que seja decidia poupar na conta mensal e apagava candeeiro sim candeeiro não ou por vezes ruas inteiras completamente às escuras e nós seguíamos o nosso caminho agarrados um ao outro como um só acordávamos os pássaros e a monotonia das rotinas quezilentas dos que dormiam e dos cães solitários a vaguear no clamor da noite riamos como duas crianças no recreio como se nada fosse proibido desde que estivéssemos juntos tudo era alegria tudo era motivo para rir tudo era motivo para nos abraçarmos tudo em nós era paleta de cores das mais variadas e possíveis nuances. 

E contigo sentia que o mundo era mais pequeno e eu tão grande nos teus braços que não havia medo algum que quebrasse o encantamento a segurança o conforto nos teus braços abraços e o meu corpo que se moldava ao teu ou o teu ao meu sincronias de carne e entendimentos supremos.
Lembro-me ainda hoje - será que te lembras? - naquela noite em que eu não me sentia particularmente bem e tu insististe no nosso passeio nocturno à beira mar fomos.

 Contigo o mundo era maior e eu tão pequena nos teus braços era rainha. 

A lua estava cheia como aquelas noites de luz azul encantos vários noites magicas de sonhos de olhos abertos. sentámo-nos virados para as ondas do mar agitado a espuma branca a enrolar palavras e o rufar das ondas como música de fundo a embalar emoções. enrosquei-me em ti no teu colo que ainda hoje tenho saudades o calor do teu corpo o teu toque a tranquilidade nos teus braços abraços o mundo parecia bem mais pequeno e os problemas medos deixavam de existir e tudo parava parava e não havia tempo nem horas a correr atrás de nós a fazer-nos lembrar que já eram horas de ir embora e horas de ficar e horas disto e daquilo como se andássemos com um cronómetro no peito. contaste me uma história daquelas que se contam às crianças e sem nada combinarmos interpretámos os nossos papéis fictícios e eu la te ia perguntando em jeito de gente pequena a achar-se crescida

E como se chamam eles, os porquinhos?
E tu lá dizias três nomes inventados à pressão. e o lobo veio e assoprou e bla bla bla.
Espera… e o lobo era mau?
Não!
Mas ele queria fazer mal aos porquinhos…
Não, ele queria brincar com eles e como não tinha amigos…
Ahhhh, coitadinho. Mas então e porque é que não tinha amigos?
Porque todos tinham medo dele.
Como se chama o lobo?
Francislau.

E riamos. riamos e tu lá ias tentando continuar a história estavas a levar o teu papel muito a peito e eu também devo dizer que estava a tentar. lá chegaste ao fim da história depois de muitas gargalhadas e interrupções pelo meio. depois? depois ficámos abraçados a olhar o mar em silêncio. 

Fomos comprar um gelado à bomba de serviço ali da zona. por trás da vitrine um homem já na faixa dos cinquentas e muitos mal encarado provavelmente por o irmos incomodar e ainda mais por o irmos incomodar para comprar um gelado às tantas da madrugada. ao fim de algumas trocas de palavras acerca dos gelados que eventualmente o senhor tinha e que não era nenhum que eu queria lá amoleceu a rudeza e abriu as portas de vidro – será que são à prova de bala? e porque confiou ele na menina (eu) quando até poderia ser assim uma espécie de cilada como se vê nos filmes assaltos emboscadas e tal – e levou-me até à arca dos gelados. escolhi. corneto para mim morango epá para ti daqueles com pastilha colorida no fundo daquelas que se desmancha toda e perde o sabor ao fim de poucos segundos.
Voltámos à praia deserta finais de Setembro descalçámo-nos e calcámos os nossos passos na areia andámos como se a manhã e a cama e o sono e o dia de trabalho não estivessem à distância de umas horas. passámos a conhecer cada qual e todos e um a um os pescadores que pernoitavam por ali a ver se apanhavam raia miúda. e para eles já erámos família - há uma curiosa cultura nesta tradição da pesca um dia conto-vos talvez - havia o que se fazia acompanhar da esposa os dois sempre muito bem agasalhados ela sentada num banquinho de madeira com uma lâmpada na testa assim a fazer lembrar os ETs dos filmes mas a fazer crochet – não sei se os ETs sabem fazer isso ou se gostariam até de se entreter a fazer camisolinhas ou sapatinhos de lã para o netinho que virá quiçá a caminho - e ele umas vezes de pé junto às canas a ver se o estremecer de alguma significava ter apanhado sereia ou filhotes de sereia. outras também ele sentado umas vezes com uma garrafinha do lado – provavelmente para aquecer esquecer as horas – ou a fazer palavras cruzadas ou provavelmente sopa de letras também ele vestido de ET versão meia-idade modelo casual fit.

Nestas noites as nossas não havia banda sonora que fosse necessária a acompanhar os nossos passos mas se tivesse que escolher assim como cena de filme trailer ou outro nome técnico que os experts da matéria dizem escolheria Madrugada – Quite Emocional ou talvez não pela melancolia demasiada contida na voz do Sivert apesar de tu dizeres postumamente que nem toda a melancolia tem conotação negativa. não tem. mas tem o sentimento de catarse associado. quite emocional now num mashup com i feel it all dos Feist. sim gosto disso está escolhido.

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