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Monday, July 7, 2014

XII – O céu é algodão doce

Andei a remexer a papelada antiga arrumações de memórias antigas do tempo de escola encontrei fotos e panfletos da tua santa terrinha um intercâmbio escolar encontrei as cartas do meu pen-pal – como lhe chamávamos na altura numa altura em que se escreviam cartas ainda se escreviam cartas assim à moda antiga tão mas tão antiga que hoje soa a filmes mudos e a preto e branco - a fotografia que me enviou vieram cá e nós fomos aí há vinte anos memórias com vinte anos espera pensei espera quando nos conhecemos sentimos que nos conhecíamos desde sempre ligações de longa data com barbas brancas a arrastar pelo chão achámos que seria algo transcendente coisas do destino e da vida dizem não coisas da vida sim já nos tínhamos cruzado não eras o meu pen pal mas sim um amigo teu um colega de escola estavas no grupo na turma do intercâmbio conhecíamo-nos afinal e afinal porque só passados vinte anos nos sentimos ligados como que por pensamento e olhos de faíscas em corações de chamas? vi-te há vinte anos atrás vimos-nos e não me lembro nem do nome nem dos traços do teu rosto na verdade nem do teu nem de nenhum dos teus colegas nem sequer do meu pen pal teu amigo de escola apenas me lembro dos meus colegas poucos um em especial tinha uma irmã com o meu nome que adorava mais que tudo no mundo mais que a ele próprio e me adorava a mim também não entendi na altura das nossas brincadeiras poucas e conversas sérias muitas. dessa viagem apenas recordo o pátio da escola à noite a minha conversa com o Tiago o roncar do Rui que era capaz de acordar a Serra inteira e a noite aquela noite que lá passámos em que quase íamos perdendo o Tiago. perdemos meses mais tarde gás disseram perdi-o um luto tremendamente arrastado demasiadamente arrastado para que fosse suportável degustar convenientemente o inicio da puberdade e o passar ao lado dos cemitérios jamais voltar a entrar em enterros o gritar da terra a bater na madeira e a convulsão a devassar-me o corpo inerte a querer correr para casa para a cama fechar os olhos e saber que foi um pesadelo apenas um sonho mau não foi.

Tínhamos estado juntos numa visita escolar há vinte anos atrás reencontramo-nos com a intensidade de duas décadas de atraso ainda crianças por dentro adultos a rasgar caminhos por fora acasos não há dizem digo eu não há continuam a não haver tudo tem a sua ordem o seu rumo os seus traços encantamento abre os olhos vou abrir e olhar o céu que se desfaz em algodão a conter ternuras dentro de mim.

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