.desengane-se quem acha que acabou de entrar num blog.

Monday, July 7, 2014

XV – O inesperado mora na rua do lado

A claridade abafada da cidade ao fim do dia cor amarelo alaranjado laranja a baixa e o cair da noite com sol ainda sol aquece paragens ruas apinhadas de caras desconhecidas familiaridade da pertença notas de jazz chegam-me a flutuarem nos espaços vazios. vou subindo a rua passo a passo sorrisos a cruzarem artes circenses e pedintes artistas da sobrevivência penso no café nos macarrons delícias pequenos prazeres preliminares de compras pós-trabalho sozinha como gostava de por vezes estar sozinha a ser eu apenas eu disponível ao mundo atenta aos detalhes aos odores aos sabores apreciar saborear momentos de calma alívio do stress acumulado recarregar baterias elixir da juventude e da boa disposição. 

Subo a rua ao telefone a Vanda que desta vez teve de seguir sozinha na viagem até casa ligou porque não sabe lidar com o caminho a sós não sei medo não sei solidão não sei silêncio. falávamos de trabalho coisas banais da vida do calor do fim de tarde fantástico dos caminhos das ruas que iam dar à felicidade. subo a rua aproximo-me das notas de jazz no varandim do edifício que dividia e assinalava a entrada numa outra movimentada rua da cidade maravilho-me perco o olhar a olhar perco perco-me a olhar para cima há músicas que tem este efeito em nós o de nos perdermos notas que se enlaçam a formar corpos sem nome em que nomes é pormenor irrelevante magias que nos assaltam de rompante e têm a capacidade de acalmar cada célula cada respiração bater do peito a ritmar passos. vejo-te a ti tu aqui encostado à parede junto à multidão no espaço vazio da multidão de negro como a sombra que nos persegue viste-me também há quanto tempo já me terias visto viro a rua rumo ao destino o meu. comento com a vanda ela sabia da história nossa vê la se ele não te seguiu cuidado liga a polícia se vires que te segue cuidado é preciso ter muito cuidado porque que é que ele ia estar aí a essa hora na mesma altura que aí passaste deve andar a seguir-te calma calma sei lidar bem com isto ele não me vai seguir calma vá se precisares liga-me o comboio vai arrancar fica descansada ligo não será preciso.
não foi.

Saí da loja o jazz ainda a entrar nos poros não te vi segui ao café curto com princípio os meus são sempre com princípio chávena escaldada fria tanto faz açúcar adoçante nada no caminho cruzamo-nos seguiste segui-te nem isso nem aquela outra hipótese o destino esse não manda não exige não dita ditador eras apenas tu em pele de ovelha lobo dois lobos que se cruzam natureza selvagem a medir forças. nem uma palavra sorriso sussurro toque ao de leve virei na primeira à direita paraste especado inerte êxtase ou surpresa hipnose estática lembrança repressão ausência nem uma palavra breve esboço de sorrisos antes trocados viajantes na mesma terra pisam placas tectónicas a desmembrarem desfazerem ânimos nada nem uma palavra sussurro dois vagabundos na mesma cidade estranhos a trocarem trocam-se memórias. 

Não te conheço tempos houve que tentei reunir os traços do teu rosto inoportunamente a falhar sempre um qualquer pormenor a tua boca a linha perfeita do teu pescoço onde repousei calmamente tantas vezes no conforto o conforto aconchego das horas de ternura e momentos partilhados a sós sem estarmos sós. falhava sempre na tentativa sucessão de tentativas de te recuperar não te conhecia deixei de conhecer não és mais o mesmo não sou a mesma mudámos mudei mudaste por fora apenas por fora mudámos jamais a essência não muda transmutadores a reciclar sentimentos e acções perpetuam horas que tombaram na demora e na distância. o olhar o teu o abraço abraços os nossos nunca esqueci acho que foi a única lembrança que retive de ti sabes mas a reconstrução do teu rosto falhava falhou-me sempre desde sempre depois de meses de separação forçada ilusão de dois a serem um e um falhavam-me os pormenores e à força de te tentar reconstruir em mim momentos de fraqueza de tempos idos recorria às fotografias tuas antigas e sentia ainda sentia sentia-te meu eu tua ainda assim. 
Hoje vi olhos baços sem vida corpos mortos em ti a clamarem perdão e liberdade mortos de cansaço frio é o gelo que consumi nas bebidas do teu esquecimento frio foste tu és agora mero errante no caminho perdeste-te sei que sim perdi-te também soube 
não te sinto mais.

“Ao menos podias ter-me falado. Espero que estejas feliz”

Minutos depois poucos minutos depois eram estas as tuas palavras numa sms a despertar ligações antigas unidas pelo desprezo raiva ligações que tão bem conhecias dos teus jogos de predador presas fáceis por desilusões de amor tuas presas unidas pelo negro a ti sempre pelo negro. mas Francisco agora ignoro já consigo ignorar ignorar-te neste teu antro de impureza e cruéis falsidades nego nego-te deixei de me negar segui o meu caminho saí sair saída placares a anunciar saídas a serem entradas mesmos espaços partilhados em direcções que se renegam respirar o ar impuro da cidade abafada sob o sol a cair uma miscelânea de odores café perfumes indecifráveis as ruas calcadas de pés sem conta de perder a conta a fazerem de conta serem homens que não foram a quererem ser mais cremes bronzeadores dos turistas na pele mix da cidade de mil cores culturas aromas adocicados respirei fundo olhei fundo horizontes de multidões copos a tilintar e chávenas vazias gargalhadas de descontracção escapes de dias cinzentos no escritório nos armazéns no escuro da claridade dos dias monotonia dos dias respirei fundo e senti-me livre novamente livre
de ti apaguei-te.

No comments:

Post a Comment